FELINOS
DO FARAÓ DEIXARAM DESCENDENTES, afirma estudo.
Reinaldo
José Lopes
EDITOR
DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
As
dinastias faraônicas que governaram o Egito por milhares de anos acabaram se
extinguindo, mas o mesmo não se pode dizer de um personagem quase tão aristocrático
do país do Nilo: o gato sagrado.
Ocorre
que os felinos mumificados do Egito antigo deixaram descendentes na população
moderna de bichanos do país, revela a primeira
análise de DNA feita com múmias de gatos.
O
estudo descrevendo a descoberta está na edição deste mês da revista
especializada "Journal of
Archaeological Science" e foi coordenado por Leslie Lyons, da
Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia em Davis.
Essa
não é nem de longe a única incursão de Lyons no mundo felino, porém. Ela
participou, por exemplo, da equipe responsável por clonar um gato doméstico
pela primeira vez, a gatinha Cc (de "cópia carbono"), em 2002.
"Fizemos
o teste genético que mostrou que se tratava mesmo de um clone", disse
Lyons, que batizou de "Lyons Den" (trocadilho com "toca do
leão", em inglês) o site de seu laboratório, só para manter o clima
felino.
MODELOS
Em
conversa telefônica com a Folha, a pesquisadora explicou que ela e seus
colegas se interessam por múltiplos aspectos da genética felina, em parte
porque os bichos podem funcionar como bons modelos para doenças humanas,
segundo ela.
No
entanto, para mapear com precisão a história populacional e a variação
genética dos bichanos, é interessante entender como essa diversidade surgiu.
"No
caso do Egito e do Oriente Médio como um todo, por exemplo, será que a
diversidade atual é representativa da que existia há milhares de anos?
Imaginávamos que isso era possível, mas migrações humanas poderiam muito bem
ter trazido populações de outros locais", pondera Lyons.
Foi
para tentar testar isso que ela e seus colegas se puseram a estudar múmias de
gatos, que foram produzidas literalmente aos milhões a partir do chamado
Período Tardio egípcio (entre os anos 664 a.C. e 322 a.C.).
A
prática atingiu seu apogeu, contudo, nos séculos seguintes, quando o Egito
foi dominado pelos macedônios e pelos romanos. "A casta sacerdotal
egípcia perdeu poder e riqueza. Passou a usar a 'produção' de múmias felinas
como uma espécie de indústria", explica Lyons.
Uma das representações egípcias
da deusa-felina Bastet
Era
uma indústria de oferendas, para ser mais preciso. Os antigos egípcios, no
culto à Bastet ou Bast, sua deusa com cabeça de gato, ofereciam as pequenas
múmias felinas como um presente à divindade.
Para
atender à demanda por múmias, surgiram grandes criadouros de bichanos. Os
animais eram sacrificados por meio de lesões na medula espinhal ou no crânio.
O corpo dos bichos era ressecado com natrão, uma mistura de sais comum no Egito,
e recoberto com óleos e resinas aquecidos. No fim, o felino ganhava até
sarcófago.
MITOCÔNDRIA
Todo
esse processo, embora preservasse a estrutura do corpo, acabou dificultando a
vida de Lyons e seus colegas, porque atrapalhou a presevação do DNA. Os
pesquisadores só conseguiram extrair material genético de três múmias
felinas, a partir de ossos das patas e da mandíbula.
Esse
DNA veio das mitocôndrias, as usinas de energia das células. Além de ser mais
fácil de obter por estar presente em muitas cópias na célula, ele é útil para
estudos genealógicos porque ajuda a traçar a linhagem materna (é transmitido
apenas de mãe para filha ou filho).
A
análise dessas sequências genéticas não deixou dúvidas: os gatos do Egito
moderno ainda carregam linhagens de DNA mitocondrial presentes em seus
ancestrais que viveram há 2.000 anos.
Mais
importante ainda, para Lyons, a diversidade genética encontrada nos gatos
egípcios antigos e modernos sugere que o povo dos
faraós foi o primeiro a produzir raças domésticas de gatos.
Segundo
ela, no entanto, é difícil dizer se eles foram os pioneiros na domesticação
da espécie. "Nesse ponto, é
difícil separar a diversidade do Oriente Médio como um todo da do Egito",
afirma.
Editoria
de Arte/Folhapress
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